Tudo começa na frente de um espelho. Maquiagem, nariz de palhaço e a vontade de fazer o bem são características fundamentais para integrar o grupo dos palhaços doutores voluntários do Plantão da Alegria que atua no Hospital Bom Pastor, de Igrejinha, desde 2015 e que um ano depois foi ampliado ao Hospital São Francisco de Assis, de Parobé. Já no Hospital Dr. Oswaldo Diesel, de Três Coroas, o trabalho passou a ser desenvolvido em 2017.
A inciativa é do Grupo de Humanização da casa de saúde Igrejinhense e tem o objetivo de promover a alegria e distração aos enfermos, acompanhantes e colaboradores dos hospitais. O ambiente hospitalar, muitas vezes, costuma ser sinônimo de tristeza, no entanto, com suas visitas semanais, os doutores fazem com que seringas, agulhas e medicamentos se tornem menos assustadores no dia a dia de quem precisa dos serviços das instituições.
De acordo com Renata Helena Giggi Eidelwein, coordenadora do Plantão da Alegria no Hospital Bom Pastor, quem é internado enfrenta dificuldades naturais de quem passa a conviver com um ambiente desconhecido, que precisa ficar distante da família, lidar com a presença de pessoas estranhas e principalmente com o desconforto que a medicação, procedimentos e restrições atribuídas pela doença. Já as crianças param ou encerram suas atividades lúdicas, a partir daí que surge a função da terapia.
O uso do clown
Angela Maria Gonzaga, professora do curso de teatro da Universidade Feevale, define o uso do palhaço nesse cenário como um facilitador para a cura. “O resultado das terapias é extraordinário, o ânimo do paciente muda, o estado de espírito com que ele enfrenta o dia a dia e os momentos após a visita é completamente diferenciado do cotidiano desse paciente”, relata.
Os palhaços surgiram efetivamente com o início da humanidade. Eram conhecidos como aqueles que brincavam com o povo na rua. Na idade média, quando a igreja resolveu proibir esse tipo de manifestação, nasceu a Comédia Dell’arte, que criou esses personagens que usam muito o corpo, pouco as palavras e que contam histórias. Segundo Angela, o palhaço pode ser caracterizado como a figura que dá o antagonismo ao correto. O ingênuo. O “no sense”. Aquele que identifica aquilo que não está totalmente certo. Um monte de equívocos ingênuos, não tolos.
Plantão da Alegria no Hospital Bom Pastor
- A inserção do palhaço no ambiente hospitalar não é exclusividade do Hospital Bom Pastor. Os primeiros registros são de 1986, quando Michael Christensen, diretor do Big Apple Circus, de Nova York, foi convidado para participar de uma comemoração do dia do coração no Columbia Presbyterian Babies Hospital, quando resolveu por expor a rotina médica de uma forma engraçada utilizando o palhaço.
- Na ocasião, Christensen notou que o espetáculo foi bem aceito pelos pacientes e teve acesso aos leitos, podendo se apresentar também para as crianças. O resultado surpreendeu a todos, pois as crianças que apresentavam um sentimento de tristeza, participaram imediatamente das atividades propostas.
- Depois disso, o hospital decidiu dar continuidade ao projeto onde nasceu a Clown Care Unit, que é um programa desenvolvido em instituições de saúde envolvendo palhaços especialmente treinados para estarem no ambiente em questão.
- Renata conta que em Igrejinha, o projeto surgiu através de experiências que teve em outras unidades de saúde. “Quando comecei a trabalhar no HBP, criei o projeto, adaptando à cultura de voluntariado de Igrejinha, o que deu muito certo”, ressalta Renata. Segundo ela, o interesse da comunidade em ajudar foi algo comovente, porém, as pessoas demoraram para entender o verdadeiro espírito da iniciativa. “Não é uma atividade ‘assistencial’, de ir no hospital consolar os pacientes, mas sim um trabalho artístico com vistas à promoção da saúde com os benefícios do humor, o alívio dos efeitos da doença e das situações que ela envolve em um hospital (estresse, rotina, ansiedade etc.), transmitindo alegria, melhora do conforto, melhora da saúde emocional e situação psicológica, transformando o modo como é encarado o paciente no hospital”, completa.
Trabalho voluntário é marca registrada em Igrejinha,
espalhando boas vibrações
O Plantão da Alegria é considerado uma extensão dessa tradição. Atualmente o grupo conta com vinte e duas pessoas que fazem visitas conforme a disponibilidade de tempo dos mesmos. Para Jeferson Muller, integrante do projeto há três anos, o plantão surgiu como oportunidade de dar continuidade a vida do Palhaço Guaraná, personagem que criou quando fazia apresentações cênicas e mensagens ao vivo em aniversários de crianças.
Segundo Muller, uma de suas maiores motivações para dar início a este trabalho em específico, foi a perda de seu irmão caçula. “Eu vinha de um período de meses acompanhando ele em hospitais, e assim, percebi que por vezes um simples olhar pode diminuir nossa tensão. E um sorriso pode aliviar a situação. Mesmo não diminuindo a dor, desvia a atenção para outras coisas”, conta.
O voluntário também ressalta que não é necessário ter dons específicos para fazer parte do grupo de voluntários, pois o que conta é a vontade de fazer o bem. No entanto, ele faz um alerta para a importância de, acima de tudo, ter um emocional suficientemente forte para realizar esse trabalho, até por que algumas pessoas acabam não se adaptando. “Lidar com doenças, tanto físicas quanto mentais, dos outros exige estrutura pessoal. Por isso o Hospital Bom Pastor de Igrejinha oferece acompanhamento psicológico aos próprios voluntários, bem como a formação continuada, através de oficinas, capacitações e rodas de conversa”, comenta Muller.
No Hospital Bom Pastor de Igrejinha, a terapia alternativa com palhaços é vista com bons olhos por quem vive o dia a dia da instituição e até mesmo que recebe a visita deles. O médico João Janke, profissional residente do hospital, relata o quão benéfico é a realização dessa terapia para os pacientes. “As pessoas não são somente um conjunto de células, órgãos e tecidos. Elas também são sentimentos e espiritualidade. Por isso, este trabalho é tão importante. Além de alegria, trazem afeto e cura das dores emocionais, ” comenta o doutor.
A psicóloga Juanita Rolim confirma que esse tipo de terapia é benéfica para todos que a recebem. “Ela permite que esses sentimentos vivenciados pelos pacientes sejam direcionados para outras atividades. Que o enfermo saia do foco de doença, de requerer cuidados e tanto ele quanto o acompanhante vivenciem uma expectativa diferente do que estão acostumados”, explica.
Interessado em participar?
A pessoa interessada deve entrar em contato com o hospital pelo telefone (51) 35497750 e solicitar a ficha de inscrição de voluntariado do Plantão da Alegria. Após encaminhar a ficha preenchida, uma entrevista é realizada com os candidatos, orientações e regras são repassadas e aos poucos ele passa a acompanhar as visitas como ‘palhaço residente’.
Você pode acompanhar tudo sobre o projeto através da página oficial no facebook (www.facebook.com/plantaoalegriaoficial).
Fotos: Plantão da Alegria/Reprodução