Os desafios enfrentados pelos profissionais da saúde em meio à pandemia; dias de medo e superação

Pandemia foi marcada por leitos de UTI's lotados na região Foto: Arquivo

Por Lilian Moraes e Melissa Costa

“Na medicina, existem duas pessoas que não podem perder a esperança; a primeira é o médico, e a segunda o paciente. Quando um destes dois desiste, acabou!”, disse o médico Thiago Serafim.

Passados os piores meses da pandemia da Covid-19, com emergências lotadas e muitos pacientes morrendo a cada dia, profissionais da saúde ainda buscam assimilar tudo: meses de luta com mistura de medo.

O Grupo Repercussão entrevistou dois profissionais que estiveram na linha de frente. Morador de Campo Bom, o médico Thiago Serafim, atuou como diretor e médico de internação do Hospital Lauro Reus, assim como coordenou a UTI do hospital de Santo Antônio da Patrulha e foi plantonista da UTI em Sapucaia do Sul.

Entre os piores dias da pandemia e da carreira, quando faltou oxigênio no hospital campo-bonense e pacientes morreram. “Foi um dia terrível. Quem participou, vai guardar tudo para sempre na memória. Perdemos seis vidas e não há o que podemos fazer para amenizar a dor, mas se não fosse a equipe, poderia ter sido muito pior. A emergência estava super lotada e toda a equipe fez o seu melhor, apesar de toda a dor e caos”.

Gabriele Schönardie Gonçalves é enfermeira na Secretaria de Saúde de Rolante e trabalha na Vigilância Epidemiológica, ficando, na maior parte do tempo, com os trâmites burocráticos do setor. Entretanto, ela conta que um dos momentos mais marcantes deste período foi a semana que Rolante registrou o maior número de óbitos. “Perdemos, se eu não me engano, foi em dois dias, dois pacientes na faixa de 30 anos. Nos colocávamos no lugar, tanto do paciente quanto da família. Acredito que ali foi o momento que a gente se sentia mais impotente. Preferia estar lá na ponta, na frente do paciente, porque parece que o nosso trabalho recompensaria mais. Então era essa a impressão que eu e uma colega tínhamos”, comentou.

“Salvamos mais que perdemos”

Os dois anos foram uma gangorra de sentimentos, do medo de abraçar o filho até a alegria de ver pessoas se recuperando e sobrevivendo a uma pandemia terrível. “Salvamos muito mais do que perdemos. Quando um paciente entra bem, piora, vai para a UTI e morre, é muito triste. É difícil acompanhar isso. A Covid foi uma doença muito solitária. O paciente estava mal e no máximo havia uma vídeo chamada, isso se ele tivesse acordado”, disse Serafim. O medo também fez parte dos dias do médico. “Eu tinha um filho menor de um ano. Tinha medo de ir para casa, não tinha vacina. Às vezes, chegava em casa e não pegava meu filho. Quando ele pegava um resfriado, o coração ia a mil”. Sobre lições da pandemia, Serafim cita a fé, que permaneceu inabalável, e que todos precisam viver o hoje. “Hoje você pode estar bem, em seguida espirrar, ter uma doença grave e morrer; isso mostra o quanto a vida é frágil. Fale o que tiver que falar agora. Têm famílias que foram praticamente dizimadas nessa pandemia. Precisamos viver mais o hoje”.

Preocupação com os familiares

“Chegamos a ter 42 leitos de UTI”, diz diretora do Hospital Sapiranga

A diretora do Hospital Sapiranga, Elita Herrmann, recorda os piores momentos da pandemia. “Chegamos a ter 42 leitos de UTI, sendo o maior desafio a contratação e capacitação dessas equipes, que além da ampliação, tínhamos um alto índice de ausências em decorrência do afastamento de colaboradores”. Outra preocupação foi o custeio de medicamento, que atingiu porcentagens absurdas. “Além da dificuldade de reposição dos estoques pelo alto consumo. Foram momentos de muita tensão, mas que com o esforço de todos, foi possível salvar muitas vidas”, destaca ela.

PÓS-PANDEMIA

O pós-pandemia também é atípico. “Há uma demanda gigantesca de pessoas aguardando por procedimentos eletivos, principalmente no SUS. Os pacientes estão chegando mais graves aos hospitais. Estamos atendendo sempre com a capacidade máxima e com pacientes aguardando na emergência por leitos de internação”, revela a diretora Elita, salientando, ainda, toda a ajuda que receberam ao longo da pandemia. “Recebemos muitas doações, desde equipamentos, insumos e valores em dinheiro, além das mensagens de carinho de toda a comunidade”.