Kit de medicamentos para combater Covid é adotado por três cidades do Paranhana

Aumento no número de casos levou prefeituras a aderir ao “kit covid”. Foto: Prefeitura de Três Coroas

Região – A distribuição de kits de medicamentos para tratamento preventivo contra o novo coronavírus se popularizou no estado e ganha cada vez mais força na região. Embora nenhuma fórmula tenha eficácia comprovada contra a doença, Parobé, Riozinho e Três Coroas adotaram a entrega de um coquetel para os infectados – em fase inicial de contágio – e suspeitos, mediante prescrição médica.

Parobé foi a primeira cidade do Paranhana a ter oficialmente seu “kit Covid”, que consiste em cartelas de tamiflu, ivermectina, azitromicina e paracetamol. “Temos sete médicos na área de atendimento ao coronavírus e todos são a favor do kit”, cita a secretária de Saúde, Ana Elisa de Lima. A entrega dos medicamentos é feita pelos próprios profissionais e dependendo das condições do paciente pode ser acrescentado ou retirado algum comprimido, conforme a secretária.

Três Coroas também adotou protocolo de tratamento preventivo através de medicações. “O kit é a critério médico. Nós fizemos sugestões de medicamentos que vão ser distribuídos pelo hospital”, afirma Carla Müller, secretária de Saúde.

Em Riozinho, a Secretaria de Saúde informa que também aderiu à mesma combinação de medicamentos que Parobé. Podem retirar os fármacos pacientes suspeitos ou que tenham testado positivo para coronavírus e tenham passado por avaliação médica.

Outras cidades
Conforme as secretarias de Saúde de Igrejinha, Taquara e Rolante, os municípios não trabalham com a indicação de um kit de medicamentos, mas dão autonomia à relação entre médico e paciente, disponibilizando medicamentos prescritos pelos profissionais.

IGREJINHA
Até o dia 10 de julho, o centro de triagem para síndromes gripais de Igrejinha atendeu 583 pacientes. Cloroquina e hidroxicloroquina não eram disponibilizados pela rede básica no período correspondente aos dados abaixo, que refletem os medicamentos dispensados entre 20 de março e 10 de julho*:

TAQUARA
Foram atendidas 518 pessoas no Centro de Apoio contra a Covid até 10 de julho. O número de receitas emitidas no local é próximo de 400. Dexclorfeniramina, cloroquina e hidroxicloroquina não são disponibilizados pela rede básica. Abaixo, os medicamentos dispensados pelo município no período entre 20 de março e 1 de julho*:


*Dados das secretarias de Saúde dos municípios.

Hidroxicloroquina será manipulada e oferecida em Igrejinha
A Secretaria de Saúde de Igrejinha anunciou que os pacientes diagnosticados com coronavírus poderão receber, se houver prescrição médica, tratamento com hidroxicloroquina a partir da próxima semana. O município conseguiu adquirir os insumos necessários para manipulação do medicamento, que será usado no tratamento precoce. Para a retirada, o paciente precisa ter receita médica. Quem aceitar o tratamento terá de assinar um termo de ciência e consentimento, além de realizar eletrocardiograma e exames laboratoriais para maior segurança durante o uso. Os atendimentos serão todos realizados no centro de triagem, no parque Almiro Grings.

Abaixo, confira a entrevista com o Dr. Rafael Missio, médico infectologista da Sociedade Riograndense de Infectologia

 Jornal Repercussão – O uso associado destes medicamentos pode fazer frente ao vírus? Existe alguma comprovação de que eles funcionem?
Dr. Rafael – “Comprovação, não tem. Medicamentos que funcionem, que sejam comprovados cientificamente, têm um nível de evidência alto porque são baseados em estudos que são bem desenhados, bem feitos, ao longo de um período maior, com uma população de estudo grande. Os que foram feitos até agora são o contrário disso, no sentido de serem estudos pequenos, com número de participantes muito pequeno, que não foram feitos em vários locais. Nenhum desses medicamentos, seja cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nenhum comprovadamente funciona para os pacientes, e principalmente para fazer prevenção. Isso na medicina é o que a gente chama de off-label, que seria tratamento fora da indicação da bula. Não tem nenhuma comprovação científica de que funcione. Eu não indicaria.”

Jornal Repercussão – Esses medicamentos podem causar algum efeito colateral para quem está usando?
Dr. Rafael – “Talvez sim. Por dois motivos. Talvez a população que tenha acesso a esses kits possa criar uma falsa sensação de segurança por terem as medicações em mãos e deixem de cumprir aquilo que a gente sabe que é o mais protetivo, como uso da mascara, evitar aglomeração, higiene de mãos. Isso sim é comprovado que funciona, que diminui muito a taxa de transmissão do vírus. O outro ponto é que alguns desses medicamentos são indicados em doses acima do que normalmente é usado para outras doenças. Já se sabe que a hidroxicloroquina está associada a alterações de ritmo cardíaco. Pode causar alguns tipos de arritmias. Eu vejo com um pouco de medo oferecer de livre demanda para a população esses medicamentos que não são seguros, principalmente quando se mistura com outros medicamentos. Ivermectina com hidroxicloroquina ou com azitromicina, não tem estudos que provem que não pode causar um efeito adverso grave.”

Jornal Repercussão – Levando em consideração os estudos que estão sendo feitos e a busca por uma vacina, qual é o quadro mais promissor para o Brasil?
Dr. Rafael – “Solução dos problemas ou chegar próximo da normalidade só depois que a gente tiver uma vacina que comprovadamente proteja as pessoas. Nesse sentido existem, sim, alguns estudos em andamento. Aí sim a gente pode considerar bons estudos, de laboratórios grandes. Inclusive, o Brasil também vai começar a testar vacinas. Se comprovarem que ela consegue proteger o indivíduo da Covid, é muito provável que com uma vacinação em massa a gente possa voltar à normalidade. Nos medicamentos, não acredito. Precisa mais tempo, mais estudo, avaliar em populações maiores. Todos esses medicamentos foram testados em pacientes de estado muito grave. Se tu está perdendo um paciente que está na UTI, que está morrendo, dai se justificam condutas heroicas.

Jornal Repercussão – “A polarização política tem prejudicado o combate à pandemia no brasil?
Dr. Rafael – Não dá para negar que foi politizada essa questão da cloroquina, porque é defendida pelo nosso presidente. No momento em que as pessoas começam a usar medicação sem ter comprovação científica e de forma aleatória, ou até sem orientação médica, começo a ver isso com bastante preocupação. A gente sabe que não é só uma crise de saúde, mas uma crise econômica também. Tem aqueles que defendem que a parte econômica é mais importante, tem os que dizem que a vida vem em primeiro lugar. Acho que a gente tem que ver os dois lados da moeda. Não dá pra negar que fazendo lockdown o Brasil vai quebrar. Eu sempre defendi desde o início essas medidas de bloqueio, que é o uso da máscara, do isolamento social, a questão de evitar aglomerações. Muitas pessoas acabam não respeitando isso. Mas se a gente investir nisso, muito provavelmente vamos conseguir não saturar o sistema de saúde. “

Farmacêutica avalia uso da ivermectina e azitromicina para tratamento precoce da Covid-19
Além da cloroquina, o vermífugo ivermectina também divide especialistas. Na bula, a droga é indicada para sarna, lombriga e piolho, entre outros, mas passou a compor os kits de combate e prevenção ao coronavírus. Quem apoia o uso do medicamento é a farmacêutica Débora Trierweiler, responsável pela farmácia de manipulação Apoteka, em Campo Bom. Citando o quesito de prevenção à Covid, ela contextualiza que “o dado maior que temos em relação a isso é da África. É um continente pobre e com pouco saneamento. Eles usam ivermectina como preventivo e para tratamento de parasitoses.”

A farmacêutica ressalta que a ivermectina tem propriedades que podem impedir a reprodução do vírus e é um produto barato. “Existem vários protocolos na parte de prevenção. Uns dizem de 15 em 15 dias, outros para tomar uma dose só. Pelo pouco tempo, não se sabe qual é o ideal”, explica. “Acredito que com os postos (de saúde) tendo a medicação, terá diminuição da progressão da doença”, defende. Neste sentido, a recomendação é observar se casos diminuem ou não.

Em relação à azitromicina, Trierweiler pontua que o uso também deve ser orientado pelo médico que avaliar o paciente. Ela defende que é preciso tratar os sintomas e “não mandar o paciente para casa, esperando o que vai acontecer”.

No que consiste o uso off label
Cada medicamento registrado no Brasil recebe aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uma ou mais indicações, as quais passam a constar na sua bula. Quando um medicamento é aprovado para determinado uso isso não implica que este seja o único possível, e que só possa ser usado para isso. A aplicação de um remédio fora do que está estipulado pela Anvisa é feito por conta e risco do médico que prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar erro médico. Quando empregado desta forma, se caracteriza como off label. A aprovação pela agência reguladora depende de uma variedade de estudos clínicos.