Sem localizar corpos na clínica do terror, polícia segue tentando descobrir onde idosos foram enterrados

Taquara – Quanto mais as horas passam, mais aterrorizante se torna a investigação que fechou uma clínica clandestina de idosos no interior de Taquara, na localidade de Santa Cruz da Concórdia. Um total de 10 vítimas foram resgatadas nesta semana em situação desumana, passando fome, sede e vestindo roupas molhadas e sujas de urina e fezes.

Os relatos da rotina do lar são chocantes. Além das vítimas resgatadas, a Polícia Civil também suspeita de que o local possa ter sido utilizado como uma espécie de cemitério ilegal. Isso porque cinco idosos, conforme relatos, teriam morrido nos últimos 12 meses em decorrência dos maus-tratos. “Nosso objetivo com o cumprimento desse mandado é descartar a possibilidade de haver algum idoso enterrado aqui. No último ano, temos notícias de que houve cinco falecimentos. Temos a identificação dessas pessoas falecidas, mas não temos informação de sepultamento e enterro delas”, contou o delegado Valeriano Garcia Neto, que comanda a investigação.

Para o trabalho de buscas, a Polícia Civil contou com equipes dos bombeiros de Taquara e Gravataí, além de um cão farejador. Inicialmente, a varredura começou pelo pátio, onde foram feitas algumas escavações, e depois seguiu para dentro da residência onde funcionava o lar. As buscas foram encerradas no fim do dia sem localizar de corpos, mas a Polícia Civil segue a investigação para descobrir para onde as vítimas falecidas foram levadas.

MAIORIA DOS IDOSOS INTERNADOS EM HOSPITAL DE PORTO ALEGRE

Dos idosos resgatados e que agora estão em um lar protegido, todos são moradores de Porto Alegre. As vítimas foram identificadas como: Aurélio Meneghel, Carlos Alberto dos Santos, Elza de Souza Rodrigues, Jorge Antônio de Abreu Cardoso, Luciano Nascimento dos Santos, Luiz Carlos Felicio, Maria da Conceição de Souza, Paulo Roberto da Silva Oliveira e Walter Francisco Menezes Pedroso.

O delegado Valeriano chama a atenção para o perfil desses idosos. “Identificamos que a grande maioria deles, que eram mantidos em cárcere privado, vieram do Hospital Vila Nova, em Porto Alegre. Então, algumas coincidências estão direcionando a investigação para a gente tentar entender melhor como funcionava, como que essas pessoas vieram parar aqui nessa clínica clandestina”, contou o delegado.

Vítimas sozinhas e com pensão ou benefícios

Até a tarde desta quarta-feira (4), nenhum familiar das vítimas havia procurado a Polícia Civil. “Diante da grande repercussão que o caso está tendo, nos chama a atenção que nenhum familiar nos procurou. Isso nos acende um alerta para que, sim, possivelmente haja um padrão no perfil desses pacientes. Todos eles possuem rendimentos, como pensão ou benefícios, e não possuem mais familiar”, declarou o delegado.

Até o fechamento da edição, o hospital de Porto Alegre ainda não havia divulgado nota oficial de esclarecimento para a imprensa.

ACUSAÇÃO DE ABUSOS SEXUAIS

A Polícia Civil e Vigilância Sanitária também resgataram do lar uma funcionária, de 43 anos, que é testemunha de todos os maus-tratos contra os idosos. Ela, ainda, denunciou os patrões por estupros cometidos contra ela.

Entre os crimes investigados, os responsáveis pela clínica do terror podem ser indiciados por ocultação de cadáver, lesão corporal, cárcere privado, crimes contra a dignidade sexual e retenção de documentos.

JUIZ NEGOU O PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA DE DOIS INVESTIGADOS

Conforme apurado, a clínica estaria funcionando em Taquara há cerca de um ano. O proprietário da residência alugou o imóvel para dois homens, padrasto e enteado, moradores de Porto Alegre. O delegado conta que há um contrato com os nomes dos investigados. “Fizemos contato telefônico com os dois, ambos se negaram a comparecer no local e negaram qualquer tipo de envolvimento. Mas localizamos documentos desses indivíduos no interior da residência que corroboram com todo relato que foi feito para nós”, disse ele.

Com a negativa em prestar depoimento, Valeriano pediu a prisão preventiva deles, mas o pedido foi negado pelo juiz Rafael Silveira Peixoto. “Verifico haver prova inicial a respeito da materialidade delitiva, haja vista os documentos e vídeos acostados pela Polícia Civil, dando conta de localização irregular de pessoas na apontada clínica mantida pelos investigados. Ocorre que mesmo grave e absolutamente reprovável e repulsivo o fato em tese praticado, as circunstâncias de seu cometimento merecem maiores e aprofundados esclarecimentos, muito especialmente a respeito de qual delito (e com qual gravidade normativa, ainda não definida na investigação) foi efetivamente praticado pelos suspeitos”, definiu o magistrado no despachado na noite de terça-feira.

Na manhã desta quarta-feira (4), o Ministério Público informou que iria recorrer para tentar reverter a decisão. O delegado Valeriano citou, ainda, que existe a suspeita de os investigados serem responsáveis por mais clínicas clandestinas no Estado.

Especializada

O comandante dos bombeiros, tenente Waldemar Pereira Dias, explica que o efetivo contou com apoio do grupamento especializado com cão farejador, de Gravataí. “Vamos fazer um descarte geral na área para saber se há algo para ser encontrado e, como não sabemos tudo o que pode ter acontecido, pedimos o apoio do efetivo com cão especialista para este tipo de buscas”, detalhou o tenente Dias.