Em vigor desde 3 de janeiro, lei de abuso de autoridade proíbe polícia de divulgar fotos e nomes de presos

Conforme texto da lei, fotos como esta não podem mais ser divulgadas, pois constrangem o preso, que tem "seu corpo ou parte dele exposto à curiosidade pública." Foto: Brigada Militar

Região – As páginas policiais dos jornais de todo o Estado estão diferentes. Os leitores mais atentos já perceberam que, este ano, a célebre foto com os detidos de costas estão ausentes, tanto em publicações dos órgãos da imprensa, quanto em divulgações oficiais das polícias em suas páginas nas redes sociais. O motivo é a nova lei de abuso de autoridade.

Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a legislação, que entrou em vigor no dia 3 de janeiro, especifica condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade. Muitas ações já eram proibidas, mas agora o texto entra em minúcias e prevê punições mais severas, a exemplo do artigo 13, que determina prisão de um a quatro anos para quem “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública”. Temendo essa e outras penalidades, os agentes da polícia não têm repassado à imprensa fotos ou nome de presos. A medida de cautela também tem sido adotada por corporações de outros 10 estados, além do Rio Grande do Sul.

Delegada opina

Rosane de Oliveira, delegada da Polícia Civil de Taquara, afirma que a divulgação do nome e foto dos presos é fundamental para a polícia. “As pessoas olham a foto e reconhecem o criminoso. Agora não temos mais ferramenta para divulgar. Os presos alegam que há constrangimento, mas há, sim, constrangimento para a sociedade, que sofre com a violência”, defende. Para a delegada, a polícia perde cada vez mais a liberdade de agir.

Restrição à polícia

A legislação contém dispositivos que podem restringir a atuação da polícia. Esta é a avaliação do delegado e professor de Direito na Faccat, Rafael Sauthier. No artigo 22, a lei prevê detenção de um a quatro anos para quem cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar após 21 horas ou antes das 5 horas. “Nos casos de repressão ao tráfico, que tipo de busca e apreensão vamos cumprir num domingo à tarde? A atuação da polícia está sofrendo restrições”, pontua Sauthier.
O delegado ressalta que as autoridades que cometem excessos devem efetivamente ser punidas. “A polícia não prega permissividade em relação aos abusos. Eles devem ser punidos pois são fatos graves. Ninguém quer impunidade”, destaca. Entretanto, a forma como se desenhou a legislação e o momento político no qual ela está sendo aplicada causa estranheza. “Enquanto as facções e o crime organizado avançam a passos largos, surge uma iniciativa de lei para frear a polícia. Existem abusos, mas assim parece que eles acontecem como regra”, pondera.

Diversos trechos da lei atribuem punição para atividades que envolvem a rotina da polícia. Alguns atos que passaram a ser considerados crimes são: o policial não usar a tarjeta de identificação na farda; continuar interrogando um suspeito que tenha decidido se manter calado ou que tenha solicitado advogado para defesa; dar início a processo de investigação sem indício de crime, divulgar trechos da investigação ou gravações com a imagem do preso falando ou prestando depoimento; decretar a condução coercitiva de testemunha ou suspeito sem que antes a pessoa tenha sido intimada para comparecer em juízo; e outras situações já demonstradas no gráfico acima.

Para a delegada de Taquara, Rosane de Oliveira, o ponto mais preocupante da legislação é o que diz respeito à instauração de inquérito. “Políticos não são da polícia. Não têm conhecimento de causa. Não podem legislar sem o feedback dos agentes da polícia”, resume a delegada.

Momento político influi na legislação

Sauthier entende que a nova lei sofre influência do momento político que é vivido pelo país. “Tivemos recentemente a operação Lava Jato e bandidos do colarinho branco passaram a ser presos. Isso desencadeou uma reação do legislativo, que está preocupado em reduzir a atuação da polícia. Se estranha esse movimento de criar mais vigilância e regras para a nossa atuação”, analisa.
Ainda há incertezas jurídicas no que tange à lei. Por este motivo a polícia segue avaliando o texto e trabalhando com cautela. A delegada Rosane de Oliveira corrobora com a avaliação, afirmando que “a lei teve cunho político, em razão da Lava Jato.”

Policial avalia modificações

Para o policial civil, Fernando Prates, os variados graus de jurisdição no Brasil dificultam a rápida condenação de criminosos: “Contamos com várias instâncias de recursos e isso sobrecarrega a justiça e os tribunais superiores com possibilidade de recursos infindáveis. A lei possui distorções e foi criada por legisladores que são alvos de operações contra crimes de corrupção. É evidente que a classe política buscou se proteger. Acredito que a lei vai gerar impunidade. Para nós na rua será terrível, pois vai restringir ainda mais a nossa atuação. Vivemos uma guerra velada das facções e a população está no meio dessa guerra”, analisa o policial civil.