“Elucidar um crime traz sensação de justiça”, diz delegado Caliari, sobre as investigações de assassinatos

Delegado Caliari está há 10 anos na Polícia Civil (Foto: Melissa Costa)

Igrejinha e Três Coroas – As delegacias de polícia de Igrejinha e Três Coroas são coordenadas pelo delegado Ivanir Luiz Moschen Caliari. Atualmente, ele é titular em Três Coroas, mas também responde por Igrejinha. Na Polícia Civil, são 10 anos de atuação de Caliari, sendo todos na região do Paranhana. Antes, era responsável por Taquara.
Desde que assumiu em Igrejinha e, posteriormente, Três Coroas, Caliari e sua equipe tem obtido resultados satisfatórios no embate contra a criminalidade. Em entrevista ao Grupo Repercussão, ele conta um pouco destes últimos anos, com ênfase no combate ao tráfico, principalmente na questão das facções criminosas e também nos roubos com violência. Ao lembrar de atuações passadas e também da sua rotina, Caliari ressalta ainda o lado humano e a preocupação com as vítimas. “Só posso prometer uma coisa, e sempre digo isso: se existir alguma uma possibilidade de descobrir quem foi e de responsabilizar, nós vamos atrás dela. Nós vamos trabalhar, se vai dar certou ou não, não sei, vamos dar o máximo. Vamos exaurir todas as chances e possibilidades para conseguir o resultado”. 

TRABALHO EM PARCERIA

Com tantos inquéritos concluídos e prisões efetuadas, Caliari faz questão de enfatizar o trabalho em parceria das equipes das delegacias de Igrejinha e Três Coroas, assim como do Poder Judiciário. “O trabalho funciona quando existe parceria e contamos, muitas vezes, com apoio do Ministério Público e Fórum, assim como das minhas equipes nas delegacias”.

Entrevista

Jornal Repercussão: Como era a situação da criminalidade quando assumiu em Igrejinha?
Delegado Caliari: Em 2013, o município sofria com assaltos e extorsão a empresários. Os dois primeiros anos foram praticamente focados nisso. Os criminosos invadiam as casas de grandes empresários encapuzados, com forte armamento e faziam tortura psicológica. Eles sabiam dados das vítimas, quem eram, da sua rotina, que hora iam para a igreja, colocavam pessoas para acompanhar cor de roupas que usavam, horário que neta ia na natação. O que acontecia? Eles entravam na casa, saqueavam joias e o que conseguiam e, quando possível, também iam na empresa das vítimas e levam dinheiro do cofre. Mas, após o assalto, no dia seguinte, eles ainda passavam a extorquir as vítimas para não voltarem. Cobravam R$ 200, 300 mil… Tivemos uma vítima que pagou por medo em 2013. E, a partir daí, até 2015, não paramos de sofrer assaltos a grandes empresários com esse mesmo modo de ação. Foram muitos assaltos.

JR: Como foi a atuação da Polícia Civil?
DC: Descobrirmos quem era a pessoa que fazia o levantamento da vida social das vítimas, e era alguém acima de qualquer suspeita na cidade. Inclusive, durante a investigação, verificamos a participação dela em um homicídio em Araricá, com uso do próprio carro. Conseguimos desmantelar essa articulação. Houve presos em Cachoeirinha, Gravataí, Novo Hamburgo, Canoas, Esteio e Porto Alegre, todos eram especializados em assaltos, roubo a banco e até sequestros. Houve uma grande pressão em cima da polícia, mas trabalhamos forte, obtivemos resultado e, a partir de 2015, não teve mais esse tipo de ação.

JR: E o trabalho de repressão ao tráfico?
DC: No tráfico sempre batemos. Em 2014, fizemos uma investigação contra uma facção criminosa de 1500 páginas com 25 indiciados e, a partir daí, comecei a sofrer com algumas retaliações com homicídios. Começam a querer colocar medo nas pessoas para que elas não colaborem mais com a polícia. Quando a polícia faz uma operação exitosa, o que acontece? Gera credibilidade. E o que o criminoso não quer? Que o cara da vila acredite na polícia. Pois se ele acreditar na polícia, estará jogando contra o interesse dele (criminoso). E ele começa a mostrar ‘exemplo’ do que acontece com quem colabora com a polícia. Tivemos algumas execuções e, em todas elas, elucidamos e indiciamos os autores. Em dezembro de 2016, tivemos um homicídio bárbaro e elucidamos com prisões em Igrejinha, Campo Bom, São Francisco de Paula e no presídio. Então, mostramos para eles que não é ‘bom negócio’ ficar matando gente em Igrejinha e Três Coroas. Fizemos grandes investigações e apreensões também em Três Coroas. Começamos a mostrar que não era interessante bater de frente. Este tipo de crime traz toda força de investigação para cima deles. De 2017 até agora, em 2021, fora essa dupla execução, a gente teve dois homicídios; em quatro anos é um baixo número.

JR: Em poucos dias, a dupla execução foi elucidada. Nos conte sobre essa atuação:
DC: As vítimas foram mortas com tiros de fuzis, 9mm, .40, não é um crime que se possa atribuir a outro envolvimento que não seja de facção. E ninguém mata alguém daquela maneira que não seja para dar um recado. A gente tinha essa situação, sem câmera, sem testemunha, madrugada, lugar ermo. Começamos do zero. Quando identificamos as vítimas, pois o rosto não era possível identificar, e como não havia nenhuma família procurando, logo pensamos não ser vítima da cidade. A partir disso, trabalhamos forte na cidade de origem (São Francisco de Paula). Tudo ocorreu por lá, aqui foram só as execuções. Passamos a saber quem eram as vítimas, o que faziam e, com isso, achamos o fio da meada e chegamos aos autores e, por consequência, nas prisões.

JR: Qual ocorrência mais lhe marcou nesta década de atuação?
DC: Foi um caso em Três Coroas e que a gente investigou, inicialmente, como uma tentativa de latrocínio. Três homens entraram na casa, esfaquearam o casal, lesionaram gravemente com faca e machado o filho, a ponto dele perder a perna. Por circunstâncias alheias a vontade dos executores, eles não conseguiram matar as vítimas e fugiram. Nos chamou a atenção que somente uma menina não havia sofrido qualquer lesão. E, durante as investigações e por conta da agilidade imediata, descobrimos que tudo não passava de uma armação entre a menina e um dos executores – que juntou mais dois amigos. O crime foi cometido porque os pais e o irmão não aceitavam o relacionamento deles. Ele tinha quase 30 anos. Prendemos os três envolvidos, um deles ficou gravemente ferido em decorrência da luta com as vítimas. Se o casal não reagisse, tinha morrido. Esse caso me trouxe perplexidade. Isso ocorreu entre 2015 e 2016. A elucidação dos crimes contra a vida nos traz satisfação por conta da sensação de justiça, independente de quem seja a vítima. Não raro a gente sabe que a vítima não é o filho que tu sonhava ter, mas a morte nos motiva a correr e trazer resultado.