Zero Grau: símbolo da retomada do setor calçadista após a crise

Movimentação da feira na edição de 2019. Foto: Dinarci Borges/FlashTOP

Região – Após ser duramente atingido pelos estragos provocados pela pandemia, o setor coureiro calçadista começa a dar os primeiros passos em direção à retomada da produção e dos empregos. A abertura gradual do varejo físico tem feito girar as engrenagens da economia e todo o otimismo foi alavancado com a confirmação da primeira feira de calçados presencial desde que a crise sanitária se instalou no Brasil.

Marcada para acontecer nos dias 16, 17 e 18 de novembro no Centro de Eventos do Serra Park, em Gramado, a Zero Grau — Feira de Calçados e Acessórios vai reunir 220 expositores dos polos brasileiros de calçados, somando cerca de 1000 marcas dos segmentos femininos, masculinos, infantis e esportivos, além de bolsas, cintos e demais acessórios.

Quem já garantiu a presença no evento com um estande de 360 metros é o Três Coroas Shoes. O espaço coletivo de indústrias da região é uma iniciativa do Sindicato da Indústria de Calçados de Três Coroas (SICTC). “Estamos vendo a feira como um divisor de águas entre o momento que estamos vivendo e a retomada do setor”, destaca o executivo-comercial da entidade, Juliano Mapelli. Até a última semana, nove empresas haviam confirmado participação junto ao espaço coletivo.

Evento tem amparo em decreto
A feira vai acontecer obedecendo rígidos protocolos, como diz o texto do decreto estadual número 55.240: “os organizadores deverão seguir, integralmente, todos os protocolos e regras já estabelecidos na Portaria 617/2020, da Secretaria da Saúde”. A confirmação da realização foi dada ainda em setembro pela Merkator Feiras e Eventos, empresa promotora da Zero Grau. Além desta, o governo do Estado liberou ainda a Festuris, o show de luzes Illumination, em Gramado; e a feira de inovação Mercopar.

Além de negócios, feira garante rede de contatos
O projeto Três Coroas Shoes foi lançado em 2015 e tem quem participe do espaço coletivo na Zero Grau desde sua criação. É o caso da Calçados Variettá, que já confirmou presença na edição de 2020.

Diretor da empresa, Márcio Port dos Santos relata que a expectativa é de retomada. “A gente sente falta da feira, do contato da empresa direto com o cliente. Para a Variettá, se destaca a possibilidade de fazer novos parceiros”, diz. O empresário ressalta que empreendimentos de pequeno e médio porte não têm representantes em todo território e o evento viabiliza esse contato. “Vejo como uma vitrine para mostrar que a proposta, a ideia do produto ainda está viva”, conta. “O mais importante são os negócios e a prospecção de negócios futuros. Criar contatos para ali na frente tornar viável uma negociação”, acrescenta.

Apesar da presença no digital, Márcio atesta que o corpo a corpo faz toda a diferença.

“Uma cadeia que ganha força”
O executivo-comercial do SICTC, Juliano Mapelli, avalia que a Zero Grau influi em diferentes segmentos. “A nível de município ou região, uma feira movimenta não só o calçado, mas geração de empregos. As empresas têm ateliers trabalhando pra elas, então é um fomento. Os funcionários gastam em outras coisas, como mercados, postos de gasolina, aumentando a arrecadação de impostos. É uma cadeia que vai ganhando força”, exemplifica. Mapelli também destaca o fator psicológico do evento, que aponta para uma situação de maior normalidade. “Isso é positivo e fomenta os negócios”, acrescenta.

A iniciativa Três Coroas Shoes conta com apoio financeiro da Prefeitura para participação em feiras. O projeto adquire um estande amplo para que as marcas possam ter exposições e dividir os custos. “O município dá aporte no valor total do espaço para ajudar as empresas. Como é feito chamamento público, qualquer um pode participar”, explica o secretário de Indústria Tiago Scariot. Neste ano, a contribuição será de R$ 43,6 mil.

“A parceria surgiu em 2015, com o nascimento do Três Coroas Shoes. Ajudamos tanto na SICC quanto na Zero Grau com objetivo de propiciar que micro e pequenas indústrias possam participar, dando oportunidade para que estejam frente a frente com os principais lojistas”, pontua Scariot.

Alta procura exige logística
Uma série de regras devem ser respeitadas pelos expositores e pelo público visitante. Entre as determinações, estão a necessidade de distanciamento de 1,5 metros entre as pessoas nas filas de acesso ao evento, bem como nos balcões de credenciamento e CAEX (Central de Atendimento ao Expositor); circulação máxima ao mesmo tempo de 2.500 pessoas nos pavilhões do Serra Park; sinal indicativo de número máximo de pessoas permitido para garantir o distanciamento dos ambientes; estandes com tetos abertos, garantindo ventilação dos espaços; uso obrigatório de máscaras para todos os participantes (staff, expositores, assistentes, lojistas, representantes e qualquer visitante) em todo período do evento (montagem, realização, desmontagem, entrega de materiais e movimentação de cargas); proibição à oferta de alimentos e bebidas dentro dos estandes, com exceção para amostras lacradas, que deverão ser higienizadas no ato da entrega aos clientes. A íntegra do protocolo pode ser acessada no site oficial do evento.

Números de 2019
Na última edição, foram comercializados 117 mil pares, com faturamento de R$ 5,9 milhões e abertura de 119 novos clientes entre os expositores da Zero Grau. Do volume vendido, cerca de 18% foi destinado ao mercado externo.

ENTREVISTA COM HAROLDO FERREIRA, PRESIDENTE DA ABICALÇADOS

Jornal Repercussão – O que a realização da Zero Grau representa para o setor calçadista?
Haroldo Ferreira – “A Zero Grau é a primeira feira brasileira presencial pós-pandemia. O ano foi muito difícil para o setor, com uma queda de mais de 30% na produção e 25% na exportação, então um evento deste porte terá dois efeitos relevantes: o anímico, para a retomada da autoestima do setor, e de geração de negócios. Será fundamental para a recuperação que pretendemos já para os últimos meses de 2020.”

Jornal Repercussão – Tivemos um agosto com criação de empregos. Qual a expectativa da Abicalçados em relação aos próximos meses?
Haroldo Ferreira – “Temos uma demanda reprimida durante a quarentena, com as restrições ao comércio físico, que responde por mais de 85% das vendas totais do setor. Com a flexibilização do varejo físico em alguns grandes centros, caso de São Paulo, é natural que ocorra uma retomada na produção industrial. Durante a pandemia, chegamos a ter quedas de 75% na produção, em abril. Teremos uma leve recuperação nos últimos meses, mas ainda ficaremos muito aquém da performance pré-crise, terminando o ano com uma queda histórica na produção de calçados. O setor é intensivo em mão de obra, então qualquer reflexo nas vendas, por menor que seja, tem um impacto importante na geração de vagas. Porém, importante frisar que, para que essa recuperação seja consistente e siga em 2021, é fundamental que a desoneração da folha de pagamentos prossiga, para que a indústria consiga seguir contratando e gerando esses postos tão relevantes para a economia brasileira.”

Jornal Repercussão – Qual dinâmica se projeta para o setor neste cenário de retomada? Mais compras do mercado interno ou do mercado externo?
Haroldo Ferreira – “Temos desempenhos muito semelhantes em ambos os mercados. Até setembro, a exportação caiu 24,4% em pares, ao passo que no varejo o tombo ficou na casa de 33% até agosto. Porém, as vendas no mercado doméstico são fundamentais para a recuperação do setor, pois respondem por mais de 85% das vendas totais. Então, a retomada mais consistente certamente passará pelo aumento da demanda interna por calçados, o que acreditamos que deva ocorrer, gradualmente, nos próximos meses.

Jornal Repercussão – Com a pandemia, uma das adaptações do mercado foi a realização de rodadas de negócios virtuais. Este é um legado que será preservado?
Haroldo Ferreira – “Certamente é um modelo que deve perdurar. Antes mesmo da pandemia ter um impacto brutal nas nossas vidas, já existia um processo gradual de digitalização do mercado. Porém, com a pandemia esse processo foi acelerado. Atualmente, podemos dizer que empresas que não operam no mercado digital estão em risco. Já não é um diferencial, é uma necessidade cada vez mais urgente. Sobre a eficácia dos negócios, embora tenhamos registrados resultados relevantes, obviamente esse modelo, por ser relativamente novo, deve ser aperfeiçoado, com novas ferramentas tecnológicas que gerem mais facilidades e segurança para os operadores e consumidores.”