Artigo: “Arranjos supremos”, por Lasier Martins

Os governos e as instituições mudam, mas certas disfuncionalidades na relação entre os Poderes resistem ao tempo. Uma dessas é a maneira como são escolhidos os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Nosso modelo, inspirado no adotado pelos Estados Unidos, com indicações feitas exclusivamente pelo presidente da República, não deu certo, e são muitos os fatos a confirmar tal realidade. Chegamos, pois, na hora de revisá-lo por completo.

 

Desde a volta do país à democracia, chefes do Executivo vêm lançando mão de critérios pessoais para escolher seus indicados, desde relações de amizade e afinidades políticas e ideológicas a expectativas de alinhamento em decisões futuras. Nesse processo, o compromisso fiel com o texto da Constituição deveria ser o único pressuposto a ser considerado, além das qualificações individuais do candidato a ser sabatinado pelo Senado Federal.

 

Lamentavelmente, a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para ocupar a vaga aberta pela aposentadoria do decano Celso de Melo não teve a formalidade e rigor esperados. A escolha, que contrariou fiéis apoiadores da base eleitoral do presidente Bolsonaro, transcorre em ambientes privados, onde autoridades parecem envolvidas em inadequada confraternização, que contrasta com a crucial missão de compor o plenário da Corte Suprema.

O clima é de confraria, o que não é cabível. A definição de um nome para o STF deveria se balizar pelas posturas e missões descritas na Constituição. Caso contrário, a institucionalidade acaba por ficar em segundo plano, minando a credibilidade do tribunal, o que já acontece e pode se agravar.

Como senador da República, incumbido de confirmar ou rejeitar a indicação do presidente, atuarei com isenção, dirimindo dúvidas na sabatina da Casa. É preciso, por exemplo, tirar a limpo quais são as posições do indicado sobre o combate à corrupção, a Lava Jato, prisão em segunda instância e outras informações. Disso dependerá o meu voto.

Renovo a convicção de que é, sim, preciso mudar a sistemática de escolha dos juízes que compõem o STF. Minha proposta de emenda à Constituição, PEC 35/2015, que compartilha a escolha dos ministros com atores do mundo jurídico e o fim da vitaliciedade, é a chance de acabarmos com a desconfiança que paira sobre a instituição.